segunda-feira, 17 de novembro de 2014

Amor Abutre

Então você compra um smartphone novinho em folha. Última geração, com todas as tendências da atualidade. Resolve usar o auto corretor de mensagens para agilizar aquela "dedação" toda que é digitar no wats. Manda a sua primeira mensagem para a aquela gata, linda que você está afim. Pensa na mensagem da seguinte forma:
"Oi, meu amor!!! Saudades por ti."
A mensagem vem meio que imediata.
"Como assim?"
Ele imediatamente pensou em uma mensagem e escreveu:
"Como assim, o que?
Ela, mais que imediatamente respondeu:
"Idiota" e um smile com carinha enfurecida.
Ele, confuso olhou mais uma vez na tela do seu ultra, multi, super smartphone geração plus e leu o que pensava ter escrito, mas:
"Oi, meu abutre!!! Socadas em ti"
"Como sim, o que"
Esboçou com um soco no ar e esbravejando.
- Maldito corretor!!!
Tentou, acalmar e mandou outra mensagem.
"Esse puto do meu corretor automático, desculpe"
Mas lá estava escrito "Esse puro do meu corredor automático, descubra"
Finalmente do outro lado um sorriso.
kkkkkkk. "Desliga essa geringonça". Dizia o texto da menina.
Ele na dúvida, e com medo lançou um smile piscando para ela. Esse não tinha como errar.
Mesmo assim, permaneceu com o corretor, achava mais prático.
Apesar de as vezes lhe causar constrangimentos, geralmente seu corretor fazia correções de forma a tornar a palavra menos agressiva. Ele o traduzia com uma sutileza sem tamanho. palavras como "merda", puta", "vaca"(dependendo do contexto),  e "prostituta", eram sumariamente substituídas por "mera, pura, vara, e postulante".
O rapaz até não reclamava muito disso, mas o amor, ah... o amor, esse era complicado. Não tinha, de forma alguma, mesmo soletrando e ensinando ao corretor a palavra amor sempre saía abutre, ou na melhor das hipóteses algumas palavras similares como avon, por exemplo. Sabia o nome de um cosmético, mas saber amar era difícil. Era preferível ser um suave perfume, ou um animal que come carniça do que ter um dos sentimentos mais enobrecidos. Nada de amor.
O corretor, dentro da sua modernidade, segundo o rapaz, veio configurado com essas novas tendências modernas, o do uso descartável das relações e deixadas a esmo a espera de um abutre que a consiga digerir. E, nessa questão nada melhor do que o abutre para representar esse novo amor que nasce no coração desses amores carniça.
O amor não estava no vocabulário daquele inóspito e insensível corretor. O amor abutre, assim ficou conhecido, tornou-se uma espécie de comedor de corações abandonados, inóspitos de tanto mal usado. O sentimento nobre, altivo dava lugar para um ser que come o que de resto lhe sobra, os corações apodrecidos. 

domingo, 6 de julho de 2014

Davi e Golias em tempos modernos

Os Ex amores vivem em um plano distinto dos demais. Alguns dizem que eles vivem em um limbo, o que concordo, se bem que uma grande parte preferiria que eles vivessem em uma espécie de inferno astral.
Conhecemos, nos enamoramos, flertamos, trocamos confidências, carinhos, afetos, salivas, e as vezes, até escova de dentes. Fizemos planos, colocamos toda uma carga emocional, e então, por algum motivo, tosco para alguns, mas determinante para o casal, viraram ex. 
Astroaldo conhecera Rufia assim. Se olharam, se apaixonaram e se separaram. Ambos queriam, que se fosse possível, o outro mudasse de cidade, país, planeta, mas não foi assim. Permaneceram na mesma cidade. E era inevitável um encontro. E foi o que aconteceu. 
Astroaldo saiu para a noite. Em uma dessas, em um bar onde todo mundo cruza, mas todo mundo mesmo, até a sua ex, encontrara-a nos braços de seu atual namorado, Alto, grande, gordo, e Astroaldo, baixo, barrigudinho e desbocado. Trocaram olhares, se analisaram, olharam-se dos pés a cabeça. Astroaldo demorou mais para fazer essa análise, devido o tamanho do rapaz, achava-o mais feio que ele, mais desengonçado, se achou mais bonito, esbelto que o seu sucessor, um sorriso de vitória estampou-se no nos seus lábios. 
E em algum momento não descrito, e tão pouco compreendido, Astroaldo soltara alguma piada infame ao namorado da ex. Usando de toda a sua corpulência o atual veio em sua direção.  Astroaldo sentiu um arrepio na espinha e um arrependimento súbito veio-lhe a mente. Palavras ao ar, palavras ditas, não tem retrocesso, não tem volta. 
Ele pequeno e o namorado gigante seria uma tragédia anunciada. Astroaldo não tinha como escapar ao enfrentamento, já sentia em seu corpo os hematomas de um breve futuro que se anunciava, só pensava: "não bate no rosto, não bate no rosto!!!", seria inevitável pelo tamanho, pois era o primeiro lugar a ser alcançado. Precisava de uma outra estratégia. Tudo isso acontecendo em segundos. O rapaz veio em direção e colocou-se a milímetros de Astroaldo, era o fim. 
- O que você disse? Resmungara o namorado. 
Astroaldo não poderia voltar atrás, seria sua derrota moral, sua reputação estava em jogo. 
- O que você escutou... - respondeu Astroaldo mantendo a pose. 
- Repete se é homem! - Exclamava o namorado. 
Segundos de silêncio, Astroaldo engole em seco a saliva. 
- Até repetiria se soubesse exatamente o que disse. - ironizou.
- Baixinho covarde. Repete!
Então...
- Veja bem, chegamos a um impasse... - Tascou Astroaldo.
- Como? 
- É chegamos a um impasse. A uma situação quo, a um momento em que devemos nos digladiar ou discutir a respeito.
- Vou discutir com minha mão enfiada na tua cara! Gritou enfurecido o namorado levantando a mão.
Astroaldo já imaginou aquela mão lhe esbofeteando a cara e arrancando-lhe alguns dentes, e tascou:
- Pode ser, mas seria um equívoco. - sua frase tinha que ser curta e provocar alguma emoção contrária a reação do rapaz. E conseguiu.
- O que?
- Veja bem, você tem quase o dobro do minha altura, só a tua mão é do tamanho da minha cabeça. Em tempos onde não existem mais nem Davis nem Golias, eu certamente perderia para você com um só golpe. 
- Não conheço nem um Davis nem Golias. Tu me provocou, cara!
- Sim, talvez na emoção da circunstância, talvez elevado pelo álcool, quem vai saber? O fato é que se você desferir algum golpe em mim terá executado o lógico e óbvio. Não tenho escapatória. Mas o fato de nós partirmos para a briga física significa que todos os argumentos de racionalidade foram para o espaço. Sobrando apenas a selvageria. 
- É, mas tu não foi nada racional ao ofender a mim, e minha namorada. 
- Veja bem, nós poderíamos sentar em uma mesa de bar e discutir a situação e até te dizer que ela nunca vai gozar contigo como gozou comigo. 
Limbo temporal
Astroaldo fora levado para o hospital com fraturas nas costelas, sem 4 dentes, com um olho roxo e dois dedos da mão direita pelo avesso. 
Tem vezes que não há razão que resista a imbecilidade.   


sexta-feira, 20 de junho de 2014

O Amor é uma Droga

Só mais um dia. Estou sóbrio há três semanas, 2 dias e 14 horas. Não, não sou alcoólatra, muito menos uso drogas. Eu amei, ou algo muito semelhante a isso, e não me venham com essa de que amor é amor e ponto, não me convence.
Todos os dias me levanto, tomo meu café e digo para mim mesmo: "só por hoje". Não é fácil, vou dizer, com todas essas tecnologias e comunicação é praticamente um ato heróico se manter sóbrio. É um whats lançado a esmo, um face numa curtida ou mensagem furtiva e o tratamento vai para o espaço. 
Acredite amigo, as tentações são grandes. É muito acesso a esse tipo de drogas no mercado. 
Isso piora consideravelmente quanto estamos bêbados, nosso celular com a bateria bombando, grita, berra para fazermos uma besteira. Descobre-se aí a força de vontade de um viciado, o quanto nós, apaixonados temos que lidar constantemente com o fato de não ceder, não se entregar. Aí você diz: "Vai lá, tome coragem, mostre-se". Mostrar-se quer dizer ficar refém, vulnerável. Nossa integridade nesse momento deve ser preservada. 
É um vício danado esse, hã cura, sei, o tal tempo, mas cá entre nós, esse tempo tem suas mensurações distintas para cada viciado, e para cada dose do quanto a droga te afetou, alterou suas percepções, noções da razão, da lógica. O Vício diz: "vai lá, mais uma dose", e o viciado em recuperação briga constantemente contra isso. Entendo os alcoólatras, drogados em cocaína, craque, drogas sintéticas e outras substâncias, são eternos viciados na tentativa de controlar uma droga que os tira do prumo. Mas acredite, amar é a pior das drogas. Ela te tira do centro, te desconcerta, te arremessa ao sentimentalismo absurdo que obscurece a razão. Te deixa embriagado e muitas vezes, na sua grande maioria ofusca sua visão. É, meu amigo, não ame. E se for amar deixe que lhe ame também, assim podem, os dois curtir o barato juntos.
Acabo de lançar um whats, não houve respostas... vácuo...
Estou sóbrio há cinco minutos, 32, 33, 34 segundos...

quarta-feira, 11 de junho de 2014

Bar de Família

Das memória insólitas e noturnas de Lindolfo Blasé.
Os bares que eu frequentava não eram lá grandes coisas, mas lá estava o povo oprimido, e nesses lugares via  algo libertador. O pessoal da alta classe chamava de inferninho, os intelectuais de cult, eu simplesmente chamava de um lugar barato para se beber uma cerveja gelada. Meu amigo para essas indiadas era o Afonso, ele tinha um péssimo gosto para mulheres, e sempre escolhia a mais feia do lugar onde nós nos enfiávamos. Talvez suas escolhas estivessem ligado ao medo da rejeição, ou, como ele sempre pregava, fazia tudo por pura caridade. 
Naquela noite estávamos acompanhados do Jorge, um desses metidos a intelectual de esquerda, mas seus ensaios sobre a noite nos fazia ver o belo onde pouco se via. 
Entramos no primeiro boteco que vimos. Logo na entrada uma senhora beirando os seus 60 anos, gorda, com a roupa cheia de graxa , com seus cabelos loiros, curtos e mal cuidados dava um tom mais pesado àquela gigantesca mulher. Quando chegamos, e vendo que nós nos aproximávamos, foi abrindo logo um sorriso amarelado do cigarro. "Sejam Bem-Vindos, meus jovens, fiquem a vontade! Viu, aqui é um bar de família, todos se amam." Nós sorrimos para ela de forma cordial e entramos. 
O lugar cheirava a mofo e perfume barato e o ar esfumaçado pelo cigarro deixava o ambiente cinzento. Ao fundo um cantor tocava músicas de Reginaldo Rossi, que seguiria por esse caminho com Paulo Sérgio, Altemar Dutra, Odair José, e Waldick Soriano e alguns outros que nem o Jorge, que tanto cultuava esses estilos conhecia. Nessas noites ele deixava Chico Buarque, Zeca Beleiro, Tom Jobim de lado e se esmerava na breguice. Sentamos na mesa logo a esquerda de quem entra. Nos posicionamos estratégicamente de tal forma para que pudéssemos ficar de frente para o público, ao fundo o palco e as nossas costas apenas a parede. A saída ficava bem perto de nós. 
Começamos a beber, havia em torno de umas 30 pessoas no boteco. Os homens seguiam seus padrões de vestimenta, alguns usando camisa polo listrada, outros lisas, camisetas, e alguns tentavam combinar inutilmente camisas polos listradas com calça social, ah e tinha aqueles que usavam uma calça jeans surrada com cinto e fivela gigantesca e camisa florida. As mulheres, em sua maioria usavam roupas com numeração bem abaixo do que seus corpos, não era difícil ver algumas protuberâncias saltando por entre os justos vestidos, outas com costura desfeita em alguma saia curta ou vestido esticado. Uma, em especial, vestia um micro vestido um tomara que caia e um piercing no umbigo inflamado dava um tom do horror. 
Sim, as pessoas não eram bonitas, mas entre tantas uma se sobressaiu, era a mais bonita, seu cabelo castanho claro descia sobre os ombros, seu corpo em forma, e seus peitos saltando quase que para fora do vestido mostravam a beleza exuberante. Ela estava acompanhada de duas amigas e um rapaz com seu bigode ralo (sinceramente não sei porque os homens de hoje usam apenas bigode). Olhamos para ela, ela, por sua vez nos deu atenção. Afonso logo se ouriçou todo. Sim, ele percebera que, naquela situação, ele poderia pegar a mulher mais linda da festa. Ela sorriu para nós, e sua arcada dentária saltou aos nossos olhos, os dois dentes da frente eram cariados, faltava mais uns 4 dentes também da frente, eu e Jorge não tivemos mais coragem para olhar, Afonso por sua vez foi em direção a ela, ele queria ficar com a mais linda da festa. Tinha seu direito. Atravessou o saguão e se aproximou, conversavam e sorriam, os demais amigos conversavam e interagiam com ele. Fazia parte da turma. Eu e Jorge só olhávamos. Encantos para lá, sorrisos para cá e os dois se beijaram, de repente as línguas de cruzaram freneticamente.  Ele entrando naquela boca e tocando sua gengiva sem dentes e ela quase o engolindo, não era uma cena muito linda de se ver, se bem que beleza não era o que estávamos procurando. Ela dava mordidinhas em seu pescoço com seus poucos dentes, na verdade não sabíamos se poderíamos chamar aquilo de mordidinha, estava mais para "gengivinha" (mordidinhas com gengivas). 
Jorge bebia efusivamente e acompanhava cada música que tocava, era incrível o conhecimento dele, principalmente de Odair José, até o tom ele sabia. Eu ficava mais impressionado com ele do que com o cantor que frequentemente errava a nota e desafinava, Jorge não, ele era impecável. Quando uma música começou a tocar "Você me pede na carta que eu desapareça, Que eu nunca mais te procure, pra sempre te esqueça...", quase levantei da mesa e pedi para substituir o cantor por Jorge, quase chorei ao ouvir ele acompanhando a música, algumas pessoas a nossa volta nos olhavam sorrindo, outras rindo de nós. Chamamos a atenção naquele pouco espaço de tempo, nós não, Jorge. Eu prostrado ali só observando tudo aquilo, e rindo, mas rindo muito, era minha melhor situação da noite. Nada sairia dali de melhor. Afonso enamorado e Jorge cantando efusivamente. 
Passava já umas duas horas que estávamos ali quando lá na frente houve um reboliço, ouvimos garrafas se quebrando e de repente uma briga generalizada, nos encostamos mais na parede, Jorge parou de cantar junto com o cantor que levara uma garrafada na cabeça e estava estira do chão. Uma cadeira voou perto de nós e quase me acertou,  Jorge que me puxou a tempo, procuramos Afonso naquele reboliço todo, ele nos procurava com os olhos, pois estava mais perto da briga, veio até nós na primeira estiada do temporal, a turma do deixa disso chegou, mas foi questão de segundos e pau começou novamente, não tinha solução, tínhamos que sair dali o quanto antes. Sorrateiramente saímos e nem olhamos para trás.
Afonso nem procurou sua musa, a integridade física vence sempre quando o caso é de amor. Na saída já quase fora do bar que estava todo em uma quebradeira geral, a gentil senhora que nos recebera naquela noite, bêbada olhou para nós, como se pedindo desculpas saiu dizendo: "família também briga". 
Saímos e naquela noite foi só.  

domingo, 1 de junho de 2014

Vizinho Fofoqueiro

Todos tem, ou já ouviram falar em uma vizinha fofoqueira. É uma classe que até então era exclusiva das mulheres. Eram aquelas desocupadas, devido a condição de "do lar" que ficavam na janela de casa observando os vizinhos indo e vindo. Se apegaram tanto a essa rotina, que seus ouvidos, mesmo a noite, ouviam carros e conversas dos próximos de sua casa, e tiravam suas conclusões pra lá de criativas. Sim, porque não bastava apenas conhecer o fato, mas a forma de contar era imprescindível para a veracidade. 
Mas a modernidade, e a independência feminina criaram outros elementos: O vizinho fofoqueiro. E descobriu-se que se você achava que uma mulher fofoqueira era terrível, é porque você nunca conheceu um homem fofoqueiro. Porque além de ser fofoqueiro ele, homem, quer ser o macho dominante. 
Seu Alfredo era casado com dona Judite, tinha um filho, não que seja isso preponderante, mas todos da vizinhança tinham mais filhos, e por isso, talvez apenas por isso, não tinham muito tempo para cuidar da vida dos outros, tinham seus próprios filhos para se preocupar. Mas o seu Alfredo, ao contrário, adorava a vida da vizinhança e no seu desejo de saber todos os detalhes inventava histórias para fechar as lacunas soltas. Portanto, se ele visse você um dia entrando em casa com uma menina e no outro dia outra menina diferente, pode ter certeza que ele diria que eu era promíscuo, mesmo não sabendo que essa primeira menina era minha amiga que chegava de outra cidade e que fui buscar na rodoviária, e a outra era a namorada dela que chegara no outro dia. E quando ele via a terceira, já achava que era bacanal na minha casa, mesmo essa sendo, de fato, minha namorada e prima da primeira menina que chegara em casa. Se eu me reunia com a turma, e era frequente, com meninos e meninas e tocava o som lá nas alturas, ele jogava objetos para nos assustar e no outro dia estava falando que até meninas nuas circulavam no pátio, mesmo tendo um muro impossível de se ver. Mas ele não via que nas festas do seu filhinho querido com o som alto, somente homens entravam por lá. Eu era o promíscuo e o filho dele era o rapaz da turma de amigos. Não percebera que, no seu filho, existia um gosto claro por meninos. Que óbvio foi calado, por um casamento mais tarde. E hoje vive uma vida infeliz. 
Seu filho até tentou ser o macho dominante, mas quando chegamos na rua, isso foi resolvido em definitivo com uns tapas e umas boas surras para o colocar no lugar. Sim, era assim que as coisas aconteciam no meu tempo de guri. Mas o que definiu isso foi o futebol, como bom brasileiro, resolvemos isso na bola. O Dudu, filho do seu Alfredo era o dono da bola, logo o dono do jogo, quando estava perdendo ou estávamos sendo muito duros com ele, logo recolhia a bola e terminava com tudo, queria mostrar que quem mandava no campinho, assim como o seu Alfredo mandava na rua, era ele. Até que nós, nada bobos que somos, no outro dia aparecíamos com uma nova bola. Fim do domínio do Dudu. Novo governo na área, mais democrático, todos podiam participar, inclusive meninas.
Seu Alfredo logo percebera a situação e como viu seu governo desmoronar quis contra-atacar. E foi pelo nosso campinho que ele tentou. Na primeira chance ele atacou. E foi, também, em um jogo de futebol. Na primeira oportunidade, o pataço do João fez a bola dar uma volta no céu e cair exatamente no pátio do seu Alfredo. Era tudo o que ele queria. Fomos até o portão educadamente pedir a bola de volta e ele se negou. Acabou o jogo naquele dia. Até hoje acho que ele deu a bola para o seu filho como um troféu que o guarda como uma relíquia de conquista. Naquele dia, naquele sábado,  fizemos uma grande festa, com som alto e muita gente, mas muita mesmo. Não deixamos nem ele, e por consequência nem a vizinhança dormir.
Erramos, enfraquecemos nossa base de governo, e o nosso querido vizinho usou aquilo contra nós. Aquela festa ficou conhecida como a maior festa de bacanal que aquela vizinhança teve conhecimento. A sua arte criativa foi fundamental para estabelecer isso. De um reinado estável, democrático e feliz, nos tornamos os irresponsáveis e como tal não poderíamos mais ter o governo em nossas mãos. Viramos rebeldes, coisa boa, na verdade, porque não existe melhor posição para adolescentes. 
Então, cada ação dele, no sentido de nos denegrir ou inventar histórias, nós criávamos as nossas próprias. Se jogássemos a bola e ela caia no pátio dele, podia ter certeza que ia junto algum objeto. Teve uma vez que o Matheus jogou o seu próprio tênis, óbvio que depois ele se arrependeu, era de estimação, tinha marcas da batalha, era surrado, e sua mãe demorou mais de semana para comprar um novo. Nesse tempo ele jogava ou de chinelo de dedo ou de pés descalços. Nunca gostamos tanto de pisar nos pés dele, só de sacanagem. 
Quando o seu Alfredo dizia que tinha meninas com pouca roupa nas nossas festas, nós dizíamos que ele estava enganado, pois elas muitas vezes passeavam nuas pela casa. Tudo invenção, mas tínhamos que ser mais criativos que ele. Conseguimos, e também conseguimos inimizades de alguns vizinhos que levavam isso muito a sério. Algumas meninas da rua foram proibidas de andar conosco. Foi uma época de difícil rebeldia. Nosso veneno estava virando contra nós mesmos. Seu Alfredo era sagaz...
Ele organizava a festa da vizinhança e como bom político nos convidava a fim de estabelecer relações de estado. Lógico que nós íamos, até porque era nossa rua. E foi nesses espaços que começamos a reconquistar nosso território. Pois aos olhos dos outros, nós nos comportávamos como bons meninos, alegres, felizes, mas não eramos desrespeitosos. Enquanto o seu Alfredo dava ordens para uns vizinhos fazer isso ou aquilo, nós chegávamos e ajudávamos os vizinhos nas suas tarefas. Não deu outra, percebendo nossa nova acensão, ele terminou com a festa da vizinhança que acontecia todos os domingos. Mas não tinha mais importância, tínhamos reconquistado nosso espaço e era questão de tempo dominarmos novamente o território.
Mas daí vieram as namoradas, a faculdade e por fim fomos indo embora da rua. Tomamos nossos rumos, fomos viver nossas vidas em outros lugares. E até hoje o Seu Alfredo vive por lá, o síndico da rua, o fofoqueiro, mas todas festividades de fim de ano voltamos, e sei que lá no fundo, quando isso acontece ele treme na base, acredito que ele reza para que não fiquemos muito tempo. Lá no fundo ele sabe quem é que manda.   

quarta-feira, 21 de maio de 2014

Posso Perguntar?


Um homem e uma mulher, estranhos um ao outro, estão presos no elevador. Ele, então se dirige para ela:
- Posso perguntar?
- O quê?
- Não sei. Tenho dúvidas. Posso perguntar?
- Mas se você não me disser o que, eu não saberei se vou poder responder.
- Isso importa? Quer dizer... Tenho que obrigatoriamente ter uma pergunta formulada para receber uma resposta pronta?
- É o mínimo. – Responde ela ironicamente.
- Mas eu quero perguntar.
- Sobre o que?
- Quero indagar, ter respostas, enfim, quero perguntar.
Ela ameaça por a mão no rosto como forma de indignação, mas se contém.
- Seja mais claro.
- Se eu tivesse clareza sobre o que eu quero perguntar eu não indagaria. Não acha?
- Ai, ai.
- Quando pergunto quero respostas
- O que você quer saber?
- Você já me perguntou isso. E quem tem dúvidas sou eu.
- Por que só você tem dúvidas? Eu não posso ter?
- Pare de perguntar. Esse é meu papel.
- Agora você está afirmando?
- Mas que coisa! Para de perguntar. Lembra? Alôo! Eu pergunto.
- Está certo. Então, vá lá. O que quer saber?
- ...
- Tudo bem, pergunte.
- Sei lá, quero perguntar. Faz uma hora que estamos presos no elevador e até agora não sei nem seu nome.
- Lúcia.
- Mas eu não perguntei nada!
- Então pergunte o meu nome.
- Não me diga o que tenho que perguntar... Mas é uma boa idéia para uma pergunta...
Qual é o seu nome?
... (silêncio)
- Lúcia.... – Responde com uma cara típica de quem está prestes a cometer um assassinato.
- Prazer, o meu é Marcelo.
E passaram mais 40 minutos até que alguém da manutenção cosertou o elevador e os dois saíram. Ela soltando “fogo pelas ventas” e ele com um sorriso de satisfação, tinha, finalmente começado uma conversa uma mulher.
E o guardinha da portaria só olhando.
- Capaz? Jura?

- Juro.

- Que loucura!!

- Verdade, que loucura.

- Não acredito.

- Nem eu acreditva.

- Mas quando?

- Semana passada.

- Onde?

- No estacionamento.

- Capaz? Jura?

- Juro.

- No estacionamento, poxa.

- Pois é. No estacionamento.

- Que horas?

- Altas da madrugada.

- Beiiii

- Pois é. Beiiii...

- Cara, não acredito.

- Tô te dizendo.

- Não, não. Não pode ser.

- Mas digo e repito, foi no estacionamento, altas horas da madrugada. Uma loucura...

A secretária, que escutava a conversa atrás da porta, sai de trás da porta enfurecida.

- Mas de quem? De quem? Homens, não sabem nem fazer fofoca direito, aff...

terça-feira, 20 de maio de 2014

MOEDA DE TROCA


-Compro!!!
-Mas já o vendi
-Compro de volta
-Mas é bem caro
-Troco o meu pelo teu, que tal?
-Não, pois o meu e maior
-Maior que o meu???
-Sim.
-Tá, preciso de uma prova.
- Que tipo de prova
-Uma prova que o teu sentimento é maior que o meu?
-Não funciona assim
-Veja bem, estou disposto a pagar a diferença...
-Está bem.
-Tá, então vá lá... Tenho que pagar a diferença e tenho que saber quanto é?
-Que moeda usaremos??
-Boa pergunta... podem ser moedas subjetivas... Pensei em pequenos lances de declarações, uns beijos furtivos, um olhar roubado. Ah, sim, nesse caso o roubo é dado como valor monetário positivo, também...
-Isso seria nossa moeda? Você teria que dar muito mais para compensar o meu que é maior?
-Teríamos que estipular quanto. Mensurar valores
-Mas como se toda a nossa moeda está nessa subjetividade.
-Então, subjetivamente quando completado o valor compensado, compensaremos mutuamente
-Podemos compensar agora?