quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Anjos Caídos - Capítulo I - Apresentações - Parte I


... Depois, onde o tempo é muito para ser mensurado...

Na alta tarde de uma sexta-feira, dia 13. Porto Alegre movimenta-se velozmente ao encontro do aconchego dos lares ou bares. O centro, antes um dançar de pessoas numa revoada de pássaros, esvazia. Ao final restam apenas aqueles nobres encaltos a procura de um último freguês para algum produto ilegal ou a venda do corpo barato ou a espera do próximo passageiro para uma última corrida de táxi.

Antônio Sóbrio, o Toninho, tem 35 anos de praça, viu a capital gaúcha crescer, perder o porto dos casais, renovar seus habitantes, vigorar-se como metrópole rodeada de edifícios modernos convivendo harmoniosamente com prédios clássicos.

Hoje ele fica alí no largo quase ao lado do mercado público e da antiga prefeitura toda a madrugada, pegando os incaltos transeuntes da noite gaúcha, boêmios, prostitutas, drogados, atrasados, que passam por Toninho diariamente.

Mas hoje não é não uma noite dessas, hoje é um dia daqueles que das alturas caem expulsos do misericordioso.

Silêncio...

Estrondo!!!

Grito!!

Dor!

Como se do próprio céu expulsa, uma mulher cai no capô do carro de Toninho.

O palito antes repousado no canto da boca entra em descompasso com ela e acaba expulsá-lo.

O susto leva o velho taxista a pular do carro e perplexo vai em direção a frente do seu carro, agora um amontoado de ferro retorcido. Sua expressão ocila entre a perda material e a visão deslumbrante daquele corpo em seu carro.

-Mas o que é isso? Como... - Sua voz embarga, foge, some.

Uma expressão de dor vem da boca, que cospe sangue, de uma bela mulher de cabelos negros compridos lisos envolta em uma túnica fina, rasgada pelas ferragens.

De suas costas dois cortes profundos localizados nas costas marcam feridas muito menos profundas que a dor de sua alma que agora sente.

Ela agoniza, sua alma está dilacerada, seu corpo mutilado. Mas as ferragens parecem causar pequenos arranhões se comparado a sua angustia, sua dor moral. A mulher busca forças para se levantar, ergue-se de joelhos, tenta manter o peso, agora muito maior de seu corpo. Então ela houve uma risada. Virando-se em direção ao som do sorriso mórbido ela vê um homem vestido de uma camiseta branca, calça jeans, um tênis e sobre-tudo. Do canto esquerdo da boca ele tira um cigarro que teima em queimar. Dá uma última tragada, expele a fumaça e com um sorriso levemente irônico diz:

- Meu Paraíso... Meu mundo. Não achas tão real, Manakel?

Manakel até então imersa naquele caos, divaga.

-... Muita dor... Meu corpo todo arde... Minhas asas... Lúcifer?

- É a mortalidade, caríssima Manakel. Nós padecemos das dores terrenas. Os séculos a amenizam.
Manakel parece se levantar raivosamente em direção a Lúcifer quando é interrompida:
- Guria, filha duma... - Grita Antônio. Antes de concluir a frase, o anjo caído gesticula a mão com o braço em sua direção e sentencia:
- "Descansa no Senhor e espera nele. Não te irrites por causa do homem que prospera em seu caminho, por causa do que leva a cabo os seus maus designo. Acalma tua ira e vá em paz".
Toninho põe a mão na cabeça, confuso olha para os seus colegas que não entendem o que ele faz no meio de uma rua sozinho. Apontam para ele.
- Tonhinho - Alguns gritam.
- Cara, chama a polícia duma vez. Não viu o estrago que este caminhão fez no teu carro? - grita outro.
Ele olha e vê um caminhão em cima de seu táxi.
- Quero ir para casa. - Conclui e sai andando confuso até perder-se na multidão.
Manakel já do outro lado da rua fixando-se raivosamente em Lúcifer, cambaleante afirma:
- Não sou um anjo caído... - Sua voz inebriada acusa sua fraqueza. Suas pernas não suportam mais o peso do corpo dolorido.
- ...Sem ...Forças... - Desaba.-
Calma aí! - Diz Lúcifer indo em socorro ao anjo - Não vai estragar essa linda carinha na calçada. - Ele a pega no colo - Uf! Como a mortalidade é curiosa. Depois que perdem as asas ficam mais pesados.
Continua

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