domingo, 1 de junho de 2014

Vizinho Fofoqueiro

Todos tem, ou já ouviram falar em uma vizinha fofoqueira. É uma classe que até então era exclusiva das mulheres. Eram aquelas desocupadas, devido a condição de "do lar" que ficavam na janela de casa observando os vizinhos indo e vindo. Se apegaram tanto a essa rotina, que seus ouvidos, mesmo a noite, ouviam carros e conversas dos próximos de sua casa, e tiravam suas conclusões pra lá de criativas. Sim, porque não bastava apenas conhecer o fato, mas a forma de contar era imprescindível para a veracidade. 
Mas a modernidade, e a independência feminina criaram outros elementos: O vizinho fofoqueiro. E descobriu-se que se você achava que uma mulher fofoqueira era terrível, é porque você nunca conheceu um homem fofoqueiro. Porque além de ser fofoqueiro ele, homem, quer ser o macho dominante. 
Seu Alfredo era casado com dona Judite, tinha um filho, não que seja isso preponderante, mas todos da vizinhança tinham mais filhos, e por isso, talvez apenas por isso, não tinham muito tempo para cuidar da vida dos outros, tinham seus próprios filhos para se preocupar. Mas o seu Alfredo, ao contrário, adorava a vida da vizinhança e no seu desejo de saber todos os detalhes inventava histórias para fechar as lacunas soltas. Portanto, se ele visse você um dia entrando em casa com uma menina e no outro dia outra menina diferente, pode ter certeza que ele diria que eu era promíscuo, mesmo não sabendo que essa primeira menina era minha amiga que chegava de outra cidade e que fui buscar na rodoviária, e a outra era a namorada dela que chegara no outro dia. E quando ele via a terceira, já achava que era bacanal na minha casa, mesmo essa sendo, de fato, minha namorada e prima da primeira menina que chegara em casa. Se eu me reunia com a turma, e era frequente, com meninos e meninas e tocava o som lá nas alturas, ele jogava objetos para nos assustar e no outro dia estava falando que até meninas nuas circulavam no pátio, mesmo tendo um muro impossível de se ver. Mas ele não via que nas festas do seu filhinho querido com o som alto, somente homens entravam por lá. Eu era o promíscuo e o filho dele era o rapaz da turma de amigos. Não percebera que, no seu filho, existia um gosto claro por meninos. Que óbvio foi calado, por um casamento mais tarde. E hoje vive uma vida infeliz. 
Seu filho até tentou ser o macho dominante, mas quando chegamos na rua, isso foi resolvido em definitivo com uns tapas e umas boas surras para o colocar no lugar. Sim, era assim que as coisas aconteciam no meu tempo de guri. Mas o que definiu isso foi o futebol, como bom brasileiro, resolvemos isso na bola. O Dudu, filho do seu Alfredo era o dono da bola, logo o dono do jogo, quando estava perdendo ou estávamos sendo muito duros com ele, logo recolhia a bola e terminava com tudo, queria mostrar que quem mandava no campinho, assim como o seu Alfredo mandava na rua, era ele. Até que nós, nada bobos que somos, no outro dia aparecíamos com uma nova bola. Fim do domínio do Dudu. Novo governo na área, mais democrático, todos podiam participar, inclusive meninas.
Seu Alfredo logo percebera a situação e como viu seu governo desmoronar quis contra-atacar. E foi pelo nosso campinho que ele tentou. Na primeira chance ele atacou. E foi, também, em um jogo de futebol. Na primeira oportunidade, o pataço do João fez a bola dar uma volta no céu e cair exatamente no pátio do seu Alfredo. Era tudo o que ele queria. Fomos até o portão educadamente pedir a bola de volta e ele se negou. Acabou o jogo naquele dia. Até hoje acho que ele deu a bola para o seu filho como um troféu que o guarda como uma relíquia de conquista. Naquele dia, naquele sábado,  fizemos uma grande festa, com som alto e muita gente, mas muita mesmo. Não deixamos nem ele, e por consequência nem a vizinhança dormir.
Erramos, enfraquecemos nossa base de governo, e o nosso querido vizinho usou aquilo contra nós. Aquela festa ficou conhecida como a maior festa de bacanal que aquela vizinhança teve conhecimento. A sua arte criativa foi fundamental para estabelecer isso. De um reinado estável, democrático e feliz, nos tornamos os irresponsáveis e como tal não poderíamos mais ter o governo em nossas mãos. Viramos rebeldes, coisa boa, na verdade, porque não existe melhor posição para adolescentes. 
Então, cada ação dele, no sentido de nos denegrir ou inventar histórias, nós criávamos as nossas próprias. Se jogássemos a bola e ela caia no pátio dele, podia ter certeza que ia junto algum objeto. Teve uma vez que o Matheus jogou o seu próprio tênis, óbvio que depois ele se arrependeu, era de estimação, tinha marcas da batalha, era surrado, e sua mãe demorou mais de semana para comprar um novo. Nesse tempo ele jogava ou de chinelo de dedo ou de pés descalços. Nunca gostamos tanto de pisar nos pés dele, só de sacanagem. 
Quando o seu Alfredo dizia que tinha meninas com pouca roupa nas nossas festas, nós dizíamos que ele estava enganado, pois elas muitas vezes passeavam nuas pela casa. Tudo invenção, mas tínhamos que ser mais criativos que ele. Conseguimos, e também conseguimos inimizades de alguns vizinhos que levavam isso muito a sério. Algumas meninas da rua foram proibidas de andar conosco. Foi uma época de difícil rebeldia. Nosso veneno estava virando contra nós mesmos. Seu Alfredo era sagaz...
Ele organizava a festa da vizinhança e como bom político nos convidava a fim de estabelecer relações de estado. Lógico que nós íamos, até porque era nossa rua. E foi nesses espaços que começamos a reconquistar nosso território. Pois aos olhos dos outros, nós nos comportávamos como bons meninos, alegres, felizes, mas não eramos desrespeitosos. Enquanto o seu Alfredo dava ordens para uns vizinhos fazer isso ou aquilo, nós chegávamos e ajudávamos os vizinhos nas suas tarefas. Não deu outra, percebendo nossa nova acensão, ele terminou com a festa da vizinhança que acontecia todos os domingos. Mas não tinha mais importância, tínhamos reconquistado nosso espaço e era questão de tempo dominarmos novamente o território.
Mas daí vieram as namoradas, a faculdade e por fim fomos indo embora da rua. Tomamos nossos rumos, fomos viver nossas vidas em outros lugares. E até hoje o Seu Alfredo vive por lá, o síndico da rua, o fofoqueiro, mas todas festividades de fim de ano voltamos, e sei que lá no fundo, quando isso acontece ele treme na base, acredito que ele reza para que não fiquemos muito tempo. Lá no fundo ele sabe quem é que manda.   

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