Longe de ser uma referência a Brás Cubas. Mas não é que o fim de um romance é todo de negativas? Primeiro aquele amor jovial, com vida em festa coração palpitando, ao fim o ódio rancoroso, o coração murcho o rosto enrugado e uns quilinhos a mais.
Pedro Anastácio e Luiza Antonieta Rodrigues se conheceram em um bar, apresentados por amigos em comum. Logo na primeira conversa pontos de concordância fizeram deixar para trás aqueles pequenos pontos negativos e (a primeira vista) totalmente despreziveis. Foi arrebatador, logo trocaram telefones, e-mails e orkutiaram-se um ao outro.
Nesse site de relacionamento descobriram que participavam das mesmas 5 comunidades. Óbvio que Pedro não somou a isso as outras 74 que ela não participava e ela as 86, mas era tão pequenas as coisas diferentes da vida que bastava as coisas em comum.
Luiza não gostava de ler, mas Pedro tinha a convicção de que iria fazer dela uma leitora ativa, por isso o presente que mais gostava de dar a ela eram livros. Depois de um certo tempo ele descobriu a inutilidade de tentar torna-la uma ávida leitora, decidiu por dar flores, assim não havia forma de se equivocar.
Com Luiza a situação foi mais prática. A fim de não dar livros para ele (visto que ele passaria mais tempo com as leituras do que se declarando para ela) Antonieta dava roupas para agradar o seu amado.
Nunca decidiam onde ir. Ela queria dançar, ele preferia um bar com um música ao fundo e uma boa conversa intelectual (Ele acredita até hoje que essas conversas foram infrutíferas para ela).
Então surgem as desconfianças, nada de extraordinário no princípio, mas com o tempo a soma disso torna-se catastrófica. E foi o que aconteceu.
Luiza descobriu uma mensagem (enviada equivocadamente) no celular de Pedro que achou fotos do seu ex-namorado (que estavam guardados no fundo morto do armário) nas coisas de Luiza e a casa caiu.
Ela acusava-o de ser dissimulado e metido a gostoso, pois ficava achando-se para essas "guriazinhas". E ele com um tom mais agressivo acusava-a de nunca ter esquecido aquele "grande amor". Tudo veio a tona naquela discussão. Antonieta atirava na cara de Anastácio o fato de ter sempre mensagens aqui e acolá de gurias, ele por sua vez argumentava que ela era totalmente fantasiosa (inclusive indicando para escrever romances policiais, tamanha imaginação) e juntando a isso jogava na cara dela que na verdade ele estava alí para aquecer banco. Foi o fim. Ambos saíram para lugares distintos e nunca mais se viram.
Hoje quando vêem amigos em comum, trocam farpas do tipo "ele era o homem mais mau caráter que já conheci", ou "Ela é uma possessiva e dissimulada (vagabunda seria assumir que ele saia com uma.), ficou comigo enquanto o macho dela estava fora, agora que está voltando me deixa" (Ele tinha esquecido que um tinha deixado o outro).
Os adjetivos não ficaram por aqui (seria necessário um texto só para essa parte), durante meses a fio trocaram insultos ou via amigos ou por telefone ou por e-mail mesmo. Tudo era negativas, não havia nada em comum entre eles. Naquele momento todos os pontos em incomum: o hábito ou não hábito de leitura, as comunidades nada em comum, o gosto pela música (ela gostava de pagode ele de rock), todos esses pontos elevaram - se a tais níveis que seria impossível acreditar que eles um dia tiveram alguma relação sexual, quanto mais uma de 3 anos de conjugal. É estranho como isso salta aos olhos nesses momentos.
Das crenças que ambos quiseram acreditar que existiam, não existem mais. Não que nunca existiram no mundo, tudo se altera, nada fica como foi, nada está sendo como será amanhã, por isso a história é dolorida. Nossas crenças, ideias e filosofias são relativas e temporais, embora quiséssemos que fossem absolutas, eternas, para nossa própria segurança. Não existem verdades absolutas.
Quem se adapta a essas transformações passa brincando. Pedro e Luiza decidiram pelo jeito mais fácil. Cada um em sua trincheira e atirando bala. E nessa batalha ninguém morre, ficam eles com suas individualidades preservadas. E assim caminha, sozinha, a humanidade.